A Hemocromatose é uma condição na qual ocorre o acúmulo de ferro nos órgãos do indivíduo, em razão do seu excesso no organismo. Pode ser hereditária ou primária, onde ocorre a desordem genética e o acúmulo da proteína que regula a absorção de ferro pelo intestino, resultando em toxicidade em diferentes tecidos. Pode ser também secundária ou adquirida, de qualquer causa não genética, provocada por algumas situações como anemia crônica, transfusões sanguíneas, cirrose, dieta excessiva de ferro, etc.
Geralmente o fígado é o primeiro órgão a ser comprometido, com seu consequente aumento, evoluindo para esteatose (gordura no fígado) e ou fibrose (endurecimento). Não há mecanismo fisiológico de excreção da sobrecarga de ferro, o excesso é depositado nos órgãos em forma de ferritina ou hemossiderina. Os danos nos órgãos são variados, no fígado o excesso de ferro pode causar cirrose, fibrose e até câncer; no pâncreas pode causar diabetes; no coração pode causar cardiopatias; nas articulações pode causar artrite; nas glândulas pode causar o mau funcionamento e problemas na produção hormonal; entre outros órgãos que podem ser afetados e ter seu funcionamento comprometido.
Características Radiográficas
Em TC a Hemocromatose é caracterizada pelo aumento da densidade nos órgãos afetados, em casos positivos, nota-se um aumento homogêneo na densidade do fígado (~HU75-130), no entanto a TC tem baixa sensibilidade para o diagnóstico de Hemocromatose, já a RM, o método mais indicado devido à sua sensibilidade é caracterizado pela redução da intensidade de sinal nos órgãos afetados. Observar o padrão de deposição férrica é muito importante. O envolvimento predominante do fígado sem deposição no baço ou medula óssea é compatível com Hemocromatose primária, já a deposição de ferro no baço e na medula óssea com mínimo envolvimento do fígado pode ser associado à falha de metabolismo do sistema retículo Endotelial provavelmente devido à hemosiderose, podendo ou não ser compatível com Hemocromatose secundária.
Avaliação por Ressonância Magnética (RM)
O uso da RM como ferramenta quantitativa tem atraído pesquisadores de vários centros de diagnóstico. A RM é um método não invasivo de alta sensibilidade e especificidade, utiliza pulsos de radiofrequência e campos gradientes para mapear e codificar os dados da imagem, além de avaliar o órgão inteiro também fornece informação das demais estruturas.
Vale lembrar que a RM perde sua eficácia quanto maiores os níveis de ferro (acima de 10 miligramas por volume de tecido úmido), pois neste caso a relaxação se torna muito rápida, ficando na ordem do ruído.
Princípios Físicos
Ao ser removido o pulso de excitação de RF, os núcleos que estavam em precessão conjunta (em fase) começam a sofrer precessão fora de fase e a magnetização transversal começa a diminuir exponencialmente. Neste momento os spins experimentam as heterogeneidades do campo, essa falta de homogeneidade do campo causa o defasamento dos spins antes que eles sintam seus próprios movimentos intrínsecos influenciando no defasamento, fenômeno conhecido como T2*, que ocorre antes do relaxamento T2. Esse tipo de contraste só pode ser visualizado nas sequências GRE que utiliza flip angle variável seguido de refasamento, já nas sequências T2 Spin echo esse efeito não ocorre, pois o pulso de 180º elimina esse efeito e libera apenas a energia da interação spin-spin principal.
Principais Métodos
A deposição férrica encurta os tempos T1, T2 e T2*. Existem dois principais métodos de quantificação de ferro hepático (LIC – Liver Iron Concentration) por ressonância magnética: A relaxometria T2 (T2/R2 | T2*/R2*) e a Razão de intensidade de sinal (Signal Intensity Ratio – SIR).
Relaxometria T2 e T2*: As propriedades paramagnéticas do ferro presente no fígado causam a diminuição no tempo de relaxamento T2. A velocidade de relaxamento é proporcional ao teor de ferro. Modelos de decaimento são atribuídos à intensidade média do sinal em diferentes tempos de eco. Os principais métodos de relaxometria usados são T2/R2 (Spin-echo) e T2*/R2* (Gradiente-echo). Para obter medições confiáveis de tempos T2 e T2* em diferentes níveis de sobrecarga de ferro, são necessárias aquisições de sequências com vários tempos de eco diferentes em progressão logarítmica. A intensidade de sinal como função do tempo de eco pode ser usado para obter um mapa paramétrico.
Relação Intensidade de sinal (SIR – Signal Intensity Ratio): A relação entre a intensidade do sinal do fígado e a intensidade do sinal da musculatura paravertebral onde o ferro não é acumulado pode ser utilizada para determinar a concentração de ferro hepático. Utilizando o mesmo corte, a intensidade do sinal é medida através de ROI’s posicionados no parênquima hepático, evitando-se os grandes vasos do fígado. As sequências utilizadas são gradiente-eco T1, DP, T2, T2+, T2++, já que estas sequências são mais sensíveis ao efeito paramagnético do ferro. A bobina utilizada é a bobina RF do equipamento (Body Coil) devido à homogeneidade de campo no isocentro da bobina. Esse método deve ser realizado preferencialmente em 1.5T, já que os equipamentos de 3T são mais sensíveis à artefatos e o os valores de T2 ou T2* serão menores e ou afetados por artefatos. Esse é um dos métodos SIR mais reconhecidos, foi desenvolvido na Universidade de Rennes, França.
Conclusão
Os sinais e sintomas da Hemocromatose são inespecíficos, já que os primeiros sintomas como rigidez articular e fadiga podem resultar de muitas outras condições mais comuns do que a Hemocromatose. Muitas pessoas com a doença não tem quaisquer sinais além dos níveis elevados de ferro no sangue. A maioria dos casos de Hemocromatose hoje são identificados por testes sanguíneos anormais feitos por outras razões ou através de rastreamento de familiares de pessoas diagnosticadas com a doença.
Os métodos por imagem além de não invasivos permitem a amostragem volumétrica total do órgão se comparado com a biópsia. A RM é o método mais indicado e possui inúmeras vantagens: Não utiliza radiação ionizante; Tem alta sensibilidade e especificidade; Novas técnicas continuam em estudo e aperfeiçoamento.
Referências
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MARTINELLI Ana L.C. FARIAS Alberto. BITTENCOURT. Hemocromatose hereditária: muito além do HFE. Divisão de Gastroenterologia - Departamento de Clínica Médica FMRP-USP.2011.
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WESTBROOK Catherine, Carolyn Kaut Roth, John Talbot. MRI In Pratice. 4Th Edition. By BlackWell Publishing, 2011.
Olá, parabéns pelo material de arcos costais. Tem algum artigo para me indicar? Como faço pra citar? Obrigada
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