terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Imagem por Tensor de Difusão

Introdução

     A substância branca do cérebro é formada por feixes de fibras mielinizadas chamados de tratos ou fascículos. Esse sistema de fibras pode ser estudado in vivo pela RM utilizando técnicas baseadas na difusão das moléculas de água. A Imagem de RM por tensor de difusão (DTI – Diffusion Tensor Imaging) permite o mapeamento da direção do movimento das moléculas de água no interior dos tecidos. Essa sofisticada forma de imagem se tornou rotineira no curso clínico como ferramenta de pesquisa, particularmente em pequenos infartos lacunares, pacientes com leucoaraiose isquêmica e outros padrões de acometimento da substância branca.

Imagem por tensor de difusão (DTI – Diffusion Tensor Imaging)

    Historicamente, as primeiras sequências de pulsos por difusão foram descritas em 1965 por Stejskal e Tanner, bem antes das imagens de RM. As fundações teóricas de difusão e a introdução como uma técnica de imagem clínica foram colocadas em prática em meados dos anos 80, combinando sequências de pulsos Spin-eco com métodos que tinham sido previamente desenvolvidos para codificar a difusão molecular efetuada pelo uso de pares de pulsos de gradiente de campos magnéticos. (BEAUCHAMP et al. 1999)



   


  O processo da difusão envolve o movimento randômico de moléculas, elas colidem umas com as outras (movimento de Browniano) e, em uma escala macroscópica, move-se de um sistema para outro. A distância comum que as moléculas percorrem por unidade de tempo é descrita por uma constante física chamada de coeficiente de difusão, D (em unidades de mm2/s). Em água pura, as moléculas difundem a uma taxa de aproximadamente 3×10-3 s-1 de mm2 a 37°C. Os fatores que influenciam na difusão em uma solução (em água pura) são peso molecular, interações intermoleculares (viscosidade) e a temperatura. Para comparação, a 20°C o coeficiente de difusão da água pura é aproximadamente 2×10-3 s-1 de mm2. (BEAULIEU 2002; le Bihan 2003; Moseley and Butts 1999).




     No cérebro, a difusão das moléculas de água está substancialmente mais lenta do que na água pura. Isto é em parte, devido às membranas celulares e fibras que impedem o movimento livre das moléculas de água. Além disso, até mesmo no espaço extracelular, onde a difusão é menos restringida (uniões estreitas) a difusão acaba sendo mais lenta que em líquidos puros. A difusão no cérebro percorre mais facilmente em direção paralela às fibras de mielina do que em perpendicular.




     Se a difusão é diferente ao longo de várias direções, então a difusão é chamada de anisotrópica. Na presença de barreiras, as propriedades do coeficiente de difusão são dependentes da direção em que são medidas, por exemplo: cristais, fibras nervosas. Quando a estrutura e as propriedades da difusão são as mesmas em todas as direções chamamos difusão isotrópica, por exemplo: copo de água, substância cinzenta cerebral.
    Os movimentos aleatórios podem confundir os efeitos de anisotropia. Porém, a difusão anisotrópica também pode ser explorada com o auxilio do modelo matemático de anisotropia direcional (Tensor) que ajuda a abstrair a noção de unidades escalares, vetores e matrizes, fazendo um traçado fora da orientação de áreas de substância branca, assumindo que a direção onde a difusão é mais rápida indica a orientação global das fibras. Na difusão por tensor, a difusão não é descrita por um único coeficiente de difusão, mas por uma ordem de vários coeficientes que caracterizam a variação da difusão no espaço, que varia de acordo com direção (Basser 1995).
     O Tensor mede o coeficiente aparente de difusão (ADC) em pelo menos, 6 direções diferentes e calcula o tensor de difusão. Como é difícil exibir os dados do Tensor, o conceito de “elipsóides de difusão” foi proposto (Le Bihan 2003). Um elipsóide é uma representação vetorial tridimensional da distância de difusão coberta no espaço por moléculas em um dado tempo de difusão. A forma do elipsóide pode variar com o tecido, a difusão isotrópica é mais bem representada por uma esfera e a difusão anisotrópica pode resultar em charuto ou elipsóides em forma de panqueca.



     Os dados do tensor contêm informações específicas, não só sobre a magnitude da difusão, mas também sobre a importância relativa da contribuição da difusão anisotrópica e isotrópica bem como sobre a direção da difusão. Cada um desses recursos de dados do Tensor pode ser analisado e apresentado separadamente.
     Primeiro, a magnitude do total da difusão nos vóxels individuais pode ser exibida por meio de mapas mostrando a "difusividade média". Em segundo lugar, as contribuições relativas isotrópicas e anisotrópicas da difusão podem ser calculadas e representadas em mapas, exibindo vários dados matematicamente, mas qualitativamente semelhante aos índices de anisotropia, como a anisotropia fracionada (FA), anisotropia relativa (AR) e as razões de volume (VR). Os índices de anisotropia maiores são encontrados na substância branca, particularmente em tractos de fibras. Finalmente, a direção espacial anisotrópica da difusão pode ser codificada por cores em mapas de vetores, com diferentes cores atribuídas às três principais direções ortogonais no espaço (tipicamente: vermelho predominante para esquerdo-direita, verde para antero-posterior e azul para as direções superior-inferior).




     A difusão anisotrópica é relacionada claramente ao arranjo ordenado de fibras de mielina, nervos e substância de branca. Porém, as contribuições relativas dos vários componentes estruturais da substância branca ainda não são conhecidas em detalhes. Trabalhos experimentais indicam que membranas axonais são estruturas críticas que determinam o grau de anisotropia. A mielinização pode modular o grau de anisotropia, mas não é necessariamente significante. Outras estruturas ou componentes fisiológicos como neurofilamentos e microtúbulos como também o rápido transporte axonal provavelmente não são críticos para anisotropia (BEAULIEU 2002).

Substancia Branca

   O cérebro apresenta uma camada externa de substância cinzenta que está constituída principalmente por corpos neuronais e fibras amielínicas (Córtex cerebral). Profundamente no interior de cada hemisfério cerebral existem estruturas adicionais de substância cinzenta (Núcleos da base). A substância cinzenta do córtex do cérebro está separada dos núcleos da base pela Substância branca, que é constituída por tractos de fibras nervosas mielínicas.
     No sistema Nervoso Central, feixes de fibras nervosas são denominados tractos. Existem três tipos de tractos na substância branca do cérebro:

1. Tractos de projeção: São fibras que Interconectam áreas corticais com centros subcorticais, como tálamos, tronco encefálico, cerebelo e medula espinal. Essas fibras conduzem impulsos nervosos descendentes (motores) do córtex do cérebro para outras regiões do encéfalo e medula espinal, ou impulsos ascendentes (sensitivos) da medula espinal e regiões inferiores do encéfalo (como o tálamo) para o córtex do cérebro.
   Os tratos corticospinal e corticobulbar ou trato piramidal são as maiores fibras de projeção eferentes. Esses tratos percorrem juntos, sendo muitas vezes difícil sua individualização pelo mapa DTI. O trato corticospinal é composto de fibras que se originam no córtex motor e convergem na coroa radiada e na perna posterior da cápsula interna, dirigindo-se para o pedúnculo cerebral e funículo lateral da medula espinal. As fibras do trato corticobulbar convergem na coroa radiada e passam pelo joelho da cápsula interna para o pedúnculo cerebral médio. Esse trato se situa medial e dorsalmente ao trato corticospinal e termina predominantemente nos núcleos motores cranianos.



A radiação óptica conecta o núcleo geniculado lateral ao córtex visual primário (sulco calcarino). As fibras que compõem a radiação óptica percorrem ao redor do corno posterior do ventrículo lateral, terminal no córtex occipital. Um segmento importante da via óptica é a alça de Meyer, situada profundamente no lobo temporal e de difícil reconstrução em exames de DTI.
As fibras de projeção, caracteristicamente, passam pela cápsula interna. A cápsula interna, por sua vez, é uma estrutura composta de fibras compactas, servindo como o maior condutor de fibras para o córtex cerebral. Pela perna anterior da cápsula interna (localizada entre a cabeça do núcleo caudado e o núcleo lentiforme) cursam as fibras frontopontinas e as projeções talamocorticais. Pela perna posterior cursam as fibras dos tratos corticospinal, corticobulbar e corticopontino. As fibras localizadas na perna anterior tem uma orientação anteroposterior, enquanto as fibras da perna posterior tem orientação superoinferior. O conhecimento da anatomia destes fascículos permite ao radiologista identificar grande parte do conteúdo das fibras de substancia branca do encéfalo, especialmente com visão lateral.


2.  Tractos de associação: São fibras que interconectam várias áreas do córtex do cérebro no interior do mesmo hemisfério e correspondem à maior parte da substância branca. As fibras de associação variam em comprimento: algumas são curtas, enquanto outras se estendem por todo o hemisfério.
     As fibras de associação podem ser curtas ou longas. As fibras curtas são denominadas fibras em U e cursam logo abaixo do córtex cerebral. As principais fibras de associação longas são: fascículo longitudinal superior, fascículo longitudinal inferior, cíngulo, fascículo uncinado, fascículo frontoccipital inferior e fascículo frontoccipital superior.
    O fascículo longitudinal superior é o maior trato de associação intra-hemisférico. Estudos em modelos animais demonstram que ele é composto por três subsegmentos: superior, inferior e arqueado, localizados profundamente nos giros frontal médio, temporal médio e lóbulo parietal inferior. Ele conecta o córtex do lobo frontal com os demais do hemisfério cerebral. 
    

   Uma parte importante do fascículo longitudinal superior é o segmento arqueado. O segmento arqueado é a parte curva do fascículo longitudinal superior que conecta a área de Broca (motora da fala) com a área de Wernicke (da compreensão da linguagem).

  
  O giro do cíngulo é um trato de associação que se situa nos dois lados da linha média, superiormente ao corpo caloso. Ele conecta os lobos frontal e parietal com o giro parahipocampal e o córtex do lobo temporal adjacente. O giro do cíngulo faz parte do sistema límbico e atua no comportamento e na regulação emocional.
    
   O fascículo uncinado é um feixe curto em forma de gancho. Esse fascículo se curva ao redor do sulco lateral e conecta os giros frontal inferior e orbital ao lobo temporal anterior, que é responsável pela memória retrógrada. Em sua porção anterior, esse trato está localizado inferomedialmente ao fascículo frontoccipital. Já em sua porção média, ele se situa adjacente ao fascículo frontoccipital. Posteriormente, o fascículo uncinado se curva inferolateralmente, em direção ao lobo temporal.


     O fascículo frontoccipital superior conecta o lobo frontal com o occipital e acredita-se que seja responsável pela percepção espacial. Ele esta situado no ângulo entre o corpo caloso e a borda súperolateral do terceiro ventrículo e o núcleo caudado. O fascículo frontoccipital inferior conecta o lobo frontal com o occipital. Acredita-se que seja responsável pela associação audiovisual. O fascículo frontoccipital inferior se estende profundamente à ínsula e está relacionado com o claustrum.

                            
3.  Tractos comissurais: São fibras que interconectam áreas corticais correspondentes aos hemisférios cerebrais direito e esquerdo. Os tractos comissurais principais que conectam os hemisférios cerebraissão: Corpo caloso Comissura anterior, posterior e hipocampal ou do fórnix.


O corpo caloso é o feixe de fibras comissurais mais espesso. As fibras que atravessam o corpo caloso apresentam orientação transversal e conectam as porções mais posteriores dos lobos frontais e parietais. Já as fibras do joelho e do esplênio do corpo caloso interconectam as porções mais anteriores dos lobos frontais e os lobos temporais e occipitais, respectivamente.


A comissura anterior cruza a linha média através da lamina terminal. Suas fibras mais anteriores conectam os núcleos olfatórios e suas fibras posteriores conectam os giros temporais médios e inferiores.


4.   Fibras do tronco encefálico e do cerebelo: O tronco encefálico é composto por um grande numero de tratos, núcleos, comissuras e decussações. O mapa de DTI direcional colorido pode retratar essa anatomia complexa.
  No mesencéfalo podemos observar o tegmento e os pedúnculos cerebrais, que são separados entre si pela substância negra. Os tratos corticopontino, corticobulbar e corticospinal percorrem pelos pedúnculos cerebrais.
  Na porção caudal do mesencéfalo encontram-se os pedúnculos cerebelares superiores. Os pedúnculos cerebelares superiores apresentam predominantemente fibras eferentes, que se dirigem do córtex e núcleos cerebelares em direção ao tálamo e córtex cerebral e estão associadas à coordenação motora.
  Já os pedúnculos cerebelares médios são identificados na ponte. Eles consistem predominantemente em fibras aferentes, que se dirigem dos núcleos pontinhos e se projetam para os hemisférios cerebelares. As fibras dos pedúnculos cerebelares médios são responsáveis pela iniciação, planejamento e voluntariedade do movimento. Os pedúnculos cerebelares inferiores apresentam, em sua maior parte, fibras aferentes, que se dirigem do bulbo para o cerebelo.
  Fibras descendentes longitudinais, núcleos pontinos e fibras transversais da ponte podem ser identificadas na porção ventral da ponte. Na parte dorsal da ponte encontram-se a formação reticular, o lemnisco medial e os núcleos dos nervos cranianos. O lemnisco medial consiste em fibras ascendentes que se originam nos núcleos grácil e cuneiforme, sofrem decussação e se dirigem para o núcleo ventral posterolateral do tálamo. As fibras do lemnisco medial são... cefálico. Esse trato é responsável pelas sensibilidades tátil, proprioceptiva consciente e vibratória.
  No bulbo identificamos os núcleos olivares inferiores, as pirâmides medulares, o lemnisco medial e os pedúnculos cerebelares inferiores.
  Além das fibras do tronco encefálico, os tratos de substância branca também podem ser identificados nos planos sagital, coronal e axial dos mapas coloridos de anisotropia.



Conclusão

   A técnica DTI ou Tractografia, considerada bastante promissora e de elevada importância, promove inúmeras vantagens tanto para o paciente quanto para a Medicina. A informação anatômica que se conhece, relativamente aos feixes de fibras existentes, era, até há pouco tempo, fornecida pela Histologia. O estudo virtual e tridimensional da conectividade neuronal entre os vários locais do cérebro de maneira não invasiva foi inovador na medicina.
   Essa técnica pode dar uma contribuição extremamente importante no planeamento cirúrgico, uma vez que a imagem de RM convencional fornece a informação relativa à localização e dimensão das áreas corticais, e a Tractografia por Tensor de Difusão proporciona uma visualização tridimensional dos feixes de fibras nervosas e o seu relacionamento e mapeamento relativo à área a sofrer intervenção cirúrgica. Poderá, igualmente, fornecer informações preciosas para a avaliação pós-operatória, no que diz respeito a sequelas cirúrgicas.
   A Tractografia é uma técnica ainda recente, no sentido de carecer de ensaios clínicos que possam estabelecer inteiramente a sua utilidade, devido ao fato dos algoritmos de reconstrução ainda não se encontrarem completamente evoluídos. Quanto ao método de aquisição das imagens, nota-se que uma grande limitação das imagens obtidas pela técnica de Tensor de Difusão se deve à resolução espacial, que deve ser equilibrada com a relação sinal-ruído para não prejudicar a qualidade da imagem. Além de exigir uma aquisição elaborada, de preferência na presença de um neuroradiologista, há também a etapa de processamento e análise das imagens.
  O potencial da imagem DTI se concretiza na sua integração com outras modalidades para a obtenção de uma caracterização mais rica da substância branca, de uma maneira análoga à combinação de perfusão e difusão utilizadas para demonstrar uma penumbra isquêmica. A fusão da Tractografia com mapas funcionais tem enorme importância na correlação entre várias regiões de ativação. A relação temporal entre focos de ativação implica na existência de feixes de fibras sobreviventes, enquanto a conectividade anatômica entre duas regiões do cérebro sugere uma relação funcional. Todas essas informações são extremamente úteis, já que permitem ao neurocirurgião identificar as zonas afetadas, cuja prioridade consiste na sua preservação no ato cirúrgico, bem como evitar a destruição acidental dos feixes de fibras de substância branca.
   Abordagens multimodais devem ser adotadas tanto como uma fonte de informação complementar, bem como uma ferramenta de validação. As experiências com a Tractografia devem ser concebidas de tal modo que os dados e sua análise possam responder às questões científicas. Embora essa técnica tenha motivado neurologistas, neurocirurgiões e neurocientistas para um maior entendimento do funcionamento cerebral, a confiança no rastreamento de conexões na substância branca ainda irá aumentar, com o desenvolvimento tecnológico, pesquisas e a aplicação do método para outras áreas do corpo humano. 

Referencias Bibliográficas

- BAERT. A, L. SARTOR, K, Heildelberg. Magnetic Resonance Imaging in Ischemic
- BAMMER R, Acar B, Moseley ME (2003) In vivo MR tractography using diffusion
- BEAULIEU C (2002) The basis of anisotropic water diffusion in the nervous system a technical review. NMR Biomed15:435–455.
- Brian J. Jellison, Aaron S. Field, Joshua Medow, Mariana Lazar.Diffusion Tensor Imaging of Cerebral White Matter: A Pictorial Review of Physics, Fiber Tract Anatomy, and Tumor Imaging Patterns.
- Marco Catania,b,* and Michel Thiebaut de Schotten. A diffusion tensor imaging tractography atlas for virtual in vivo dissections.
- Paolo G. P. Nucifora, MD, PhD Ragini Verma, PhD Seung-Koo Lee, MD, PhD Elias R. Melhem, MD, PhDDiffusion-Tensor MR Imaging and Tractography: Exploring Brain Microstructure and Connectivity.
- Renato Adam Mendonça, Dra. Isabela C. Silva, Dr. Giuseppe D’Ippolito, Dr. Antônio José da Rocha, Dr. Leonardo Vedolin. Série CBR Encéfalo. Por colégio Brasileiro de Radiologia. Elsevier 2012. 
- Rüdiger von Kummer and Tobias Back, A. L. Baert, Leuven K. Sartor, Heidelberg.
imaging. Eur J Radiol 45:223–234.
Ischemic Stroke. Springer-Verlag Berlin Heidelberg 2006.
Magnetic ResonanceImaging in Ischemic Stroke. Magnetic Resonance Imaging in
Stroke. Springer-Verlag Berlin Heidelberg 2006.